Uma das perguntas que muitas pessoas me fazem é esta: "Como mudar padrões de comportamento antigos, familiares, em especial, dos pais?". É comum também que, a dada altura de um processo terapêutico, esta surja, em muitos casos, como uma necessidade identificada, ao serviço de algum tipo de conquista, superação ou apelo evolutivo das pessoas em relação àquilo ou àqueles que parecem "condicionar" ou mesmo limitar as suas escolhas (livres, autónomas, conscientes) na vida adulta. Pois bem.
Primeiro, a didática prévia, ou a definição do que vêm a ser esses tais “padrões”?
Ora, os padrões nada mais são do que atitudes ou comportamentos que temos e que repetimos sem pensar. São assim uma espécie de “bric-à-brac” que arrumamos em nós mesmos, ao longo do tempo, e de acordo com a cultura, a religião, a educação, que nos condicionam a repetir certas reacções de forma inconsciente.
Inconsciente?! Pois.
O facto de serem inconscientes é precisamente o que nos prende às mesmas reacções e que nos faz repetir e arrastar (às vezes, geração após geração) determinados padrões que, se fossem bem vistos à luz do dia (e da consciência), já não fariam sentido.
Muitos (concluiríamos nós) seriam até obsoletos e – como se não bastasse – na maior parte das vezes, são eles (os tais padrões), justamente, que nos estão a causar as perdas.
E isso porque provavelmente muitas pessoas sabem que “aquilo” que têm feito, no que concerne à tal repetição dos padrões, por algum motivo se tem mostrado como insatisfatório, verdade? Muito bem, então vamos lá.
Estes padrões poderão ser de vária ordem (e em combinações infinitas). Mas ilustremos com a seguinte imagem, que no caso, valerá mais do que mil palavras. (Mas é apenas a título de exemplo).
Este é o ciclo da repetição (no caso, da violência). Desculpe, a imagem é forte, mas vale a pena reflectir sobre ela. Muitas vezes, as pessoas que se encontram ou já se encontraram neste padrão de comportamentos agressivos continuados (que passam de pais para filhos) repetem um comportamento antes – na infância (geralmente) – experienciado como traumático, e que deixa sequelas na vida adulta, e por mais que tenham sofrido com ele, não conseguem deixar de o repetir, sobre outros à sua volta, anos e anos mais tarde. E porquê?? É disto que falaremos hoje.
Quem diz padrões de comportamento agressivos e tóxicos, diz outros também, como por exemplo, adições, compulsões, padrões de relacionamento, formas de lidar com o dinheiro, visões internas de si e do mundo, padrões de rejeição e abandono, enfim, a lista seria infindável.
Por agora, apenas pegue em algo que você saiba que esse é o seu padrão repetitivo. Veja em qual situação se encaixa, ou perceba situações diferenciadas, o importante é você descobrir o que tem criado repetidamente na sua vida, sem conseguir sair desse ciclo (e círculo) de acontecimentos que se repetem.
Então, e a resposta à pergunta do titulo deste artigo? É apenas esta: nós recriamos situações conhecidas e que foram recorrentes na nossa vida. “Simples” assim... Não! Na verdade, é bem mais complicado do que parece. Especialmente a parte de "como mudar" ou “ como contornar a situação?", não é verdade?... Mas não para nós, psicólogos empenhados, que lidamos com as traquinices da mente humana, todos os dias, ao pequeno-almoço! :)
É uma espécie de “amor cego” este que nos faz repetir as coisas que sabemos que nos fazem mal mas… são familiares. É uma lealdade ao “clã” que mesmo que, hoje em dia, se revele seriamente disfuncional nos confere uma espécie de conforto cognitivo por nos sabermos pertencentes a alguma coisa tida como “certa” (mesmo que geradora de dinâmicas pouco saudáveis ou até facilitadoras de doença) porque foi assim que aprendemos.
E quando começamos a aprender o que quer que seja (e aprendemos sobre nós antes mesmo ainda de nos termos ou sabermos por “nós”) somos assim como que uns macaquinhos (de imitação) “cegos, surdos e mudos”. É um esquema meio 'marado', tipo bater no peito mesmo e dizer “eu sou deste grupo”.
Acabamos assim por ser arrastados para a vivência e repetição destes mesmos padrões e comportamentos, repetindo cegamente o que nos é familiar e onde só a dor e o sofrimento nos irão ajudar a questionar sobre, afinal de contas, o que é que andamos a fazer com as nossas vidas.
Então, porque é que tendemos a repetir padrões de comportamento/personalidade da família ou dos pais? Porque geralmente estamos em piloto automático. Aparentemente sem ter podido desenvolver a capacidade que hoje (como adulto) nos assiste que é poder Escolher conscientemente. Esclareço melhor.
O nosso comportamento é muito mais influenciado pelo inconsciente do que pela mente racional. As emoções e as crenças influenciam poderosamente o nosso comportamento e a grande maioria delas reside no nosso inconsciente. Alguém aqui é assim tão “romântico” para achar que age apenas segundo o seu lado racional?
Ahaha!… (a rir até ao ano 2020).
Se assim fosse, se nós, seres humanos, agíssemos apenas racionalmente, ou seja, pelo consciente, ninguém fumava, ninguém se drogava, nem comeria mais do que necessita, ninguém procrastinava, ninguém se depreciava, não haveriam comportamentos destrutivos, nem qualquer tipo de autossabotagem.
Quando as pessoas me dizem que gostariam de mudar ou de “contornar a situação", indiciando que não concorda com o tal padrão que repete, quem na verdade me está a dizer isso são os 10% da sua consciência. Essa vontade de mudar esse padrão está ao nível racional, mas o que tem contado (pelo menos até agora) são os outros 90% que correspondem à vastidão do seu inconsciente, submerso por emoções e crenças, que o fazem ficar preso à repetição.
Por detrás de um comportamento nocivo existem sempre, e invariavelmente, um rol de emoções negativas e crenças limitantes. Existe sempre algum tipo de medo, de culpa, de raiva, frustração, tristeza, vergonha, etc..
O comportamento acaba por ser somente o reflexo dessa negatividade, armazenada nos porões do inconsciente. Então, porque fazemos muitas vezes o que não queríamos fazer? Porque pensar e agir (que obedece primeiramente à forma se sentir, quanto mais se não tivermos disso clara noção) passa pelo filtro da carga emocional que nós carregamos e é distorcida por ela.
Pela convivência com os pais na infância, e por eles serem a única ou principal fonte de informação válida que temos do mundo quando somos pequeninos, nós acabamos por adquirir emoções, crenças e comportamentos parecidos com os deles, e daí a tendência de agir de forma parecida, mesmo que racionalmente você não queira.
Se você conseguir curar essas emoções e crenças que estão aprisionadas no seu inconsciente, deixa de existir essa distorção, e mudar o seu comportamento até fica fácil porque, muitas vezes, o que acontece é que o próprio comportamento muda sem que você precise fazer algum esforço.
Tecnicamente, perde aderência das estruturas inconscientes que o mantinham, pois que agora já foram identificadas e expostas à luz do dia, logo, sem “razão” para continuarem a aparecer, pela calada da noite, que é como quem diz, sem mais necessidade de se manifestarem (na tentativa lancinante de serem vistas e reconhecidas) através do sintoma.
As crenças e as emoções são como se fossem os programas que você aprendeu com os seus pais e que “rodam” no seu inconsciente. Quando você identifica e transforma esses programas – e a Psicoterapia serve muito bem para isso – o comportamento tende a mudar, gradual e naturalmente.
Por isso, genericamente, a melhor forma de se libertar dos padrões de repetição dos comportamentos nocivos é curar as suas emoções e crenças negativas. Ponto.
No entanto, ofereço-lhe aqui ainda uma outra orientação, algo mais completa. Segue um passo-a-passo básico. Vamos lá!
1 – Pratique a auto-observação (quando é que os seus problemas iniciaram? Você consegue observar, nos seus comportamentos actuais, qual é o fio condutor daquilo que viveu na infância?);
2 – Procure saber o que você não quer para a sua vida;
3 – Procure saber o que você (realmente) quer para sua vida e (o mais importante) começar a determinar os caminhos que você pode seguir para chegar aonde você quer;
4 – Estar muito atento às escolhas que você faz no dia-a-dia para saber se você não está a repetir apenas o conhecido;
5 – Diga para si mesmo: “Eu Sou A Minha Escolha”, primeiro mentalmente, depois, verbalmente. Este exercício permite o redireccionamento do foco de atenção do seu cérebro (passar do foco do comportamento condicionado e automático para a instauração do seu próprio “lugar de fala” intencional, aquele que tem a ver com o seu livre arbítrio e capacidade de escolha pessoal). Se quer continuar a repetir algo na sua vida, sugiro-lhe que repita esta frase como um mantra (e veja o que acontece).
Como certamente já percebeu, um passo fundamental é reconhecer qual o seu padrão de comportamento e conseguir ampliar o seu reportório de acção. Negar, reprimir ou julgar esses padrões é desnecessário, pois o peixe não questiona o facto de estar debaixo de água. Assim, não caia no logro de se forçar a novas atitudes, pois será comum repetir padrões com novos formatos. Apenas observe por um tempo (3 meses por exemplo) sem grandes mudanças. A mera percepção causará por si novas acções.
Ter mais controlo sobre a mente é uma das tarefas mais complicadas de realizar, pois para isso é necessário desenvolvermos o auto-conhecimento. Isto significa que quanto mais nos conhecemos, mais estaremos em condições de adentrar nos nossos processos internos mais profundos. As nossas questões aparentemente sem resposta, as nossas vontades reprimidas, os nossos desejos amordaçados, e por aí fora.
É fundamental tentarmos esclarecer as partes em nós que não vemos ou não queremos ver. Aquelas que negamos ou que tentamos esconder de nós mesmos mas que invariavelmente ali estão… a exercer a sua influência nas nossas vidas do dia-a-dia… Pois supressão não significa cessação… Pelo contrário, aquilo que se reprime, não morre. Está vivo. E quanto mais tentamos ocultar, mais vem à tona e acaba sempre por se mostrar…
E a boa notícia é? Que o conhecimento liberta e é poderoso quando bem aplicado.
Viemos a este mundo para experienciar alegria, expandirmo-nos e alcançar o crescimento e libertação. A sua vida pode ser completamente satisfatória e plenamente feliz. Tal parece algo improvável, mas definitivamente não é. Uma acção deliberada, baseada em conhecimentos e estratégias adequadas, permite que cada pessoa seja quem nasceu para ser e que tenha a vida que quer ter. Cada um tem as suas circunstâncias únicas a superar, mas todos têm a oportunidade de conseguir qualquer coisa e mudar tudo.
Para mudar o passado que se repete compulsiva e indesejavelmente no seu presente (comprometendo, por certo, a fluidez do seu futuro) você precisa eliminar essa informação. Mas, antes de eliminá-la, você precisa aceder a esse conteúdo, descobrir o que o move inconscientemente, sem que você tivesse percebido até agora.
Na minha prática clínica, é curioso notar que quando a mente de uma pessoa se depara com a minha confiança na capacidade interior dela, parece haver uma libertação de recursos. É como se ela (a mente) dissesse: “parece que podemos confiar nesta aplicação para subir o nível de desempenho”. E, na verdade, não é isso que cada nova geração deveria fazer pela precedente? Optimizar níveis de desempenho, incorporar novas ferramentas, desenvolver novas componentes aos “softwares” dos programas mentais… tipo versão 2.0, versão 3.0, versão 4.0… aproveitando a sabedoria acumulada do que é útil e benéfico, todavia, melhorando o que vem sendo disfuncional.
É engraçado como há coisas que vão acontecendo e a gente nem se apercebe, como os padrões de comportamento/personalidade dos nossos pais, que perpetuamos sem notar... Por isso acho a profissão de psicóloga tão incrível; é mágico estudar o comportamento humano, ajudar pessoas e ainda adquirir um auto-conhecimento maravilhoso. Sim, psicólogos porque “freakin’ miracle workers” ainda não é um título oficial. ;)
Finalizando num tom um nadinha mais sério, a verdade é que muitas pessoas para conseguirem quebrar um ciclo de repetição de padrões comportamentais precisam de ajuda psicológica para sair dele e, assim, conseguirem quebrar este padrão e não mais perpetuarem certos ciclos menos saudáveis (ou mesmo doentios) nas suas famílias.
José Saramago resumiu numa frase aquilo que, a meu ver, é a base de todo o processo psicoterapêutico e em ultima análise, a essência da nossa passagem pela jornada de transformação e quebra de padrões de repetição de condicionamentos: “É preciso sair da ilha para ver a ilha”.
Deixo-lhe o convite para reflectir sobre estas palavras, ou o tanto que “outras leituras” da realidade (que poderá adquirir) lhe irão permitir fazer uma viagem para além da sua “ilha”, na qual sem dúvida irá ter uma visão mais ampliada de si próprio e muito mais completa do que alguma vez imaginou.
Porque somos donos dos nossos destinos, mas corremos muitas vezes o risco de passarmos muito tempo reféns de histórias e lugares que nem são nossos, acreditando que isso é uma herança fatal que conservamos…
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